domingo, 4 de outubro de 2009

NAS PESSOAS BEM AMADAS BROTAM ROSAS DE HIROSHIMA


Em Copacabana faz uma tarde cinza. As tardes nubladas sempre me são preferíveis. São sorrisos. Os agressivos dias de sol são gargalhadas. E o clima da minha alma é mais o riso sugerido que o da alegria escrachada e agressiva. Penso em amor e como, à medida em que se vive, num processo dialético, o amor é tão rico que sempre se tem algo a sacar em cima dele.
Pensando no velho chavão, muitas vezes usado por mim mesmo, quando afirmava que, na medida em que a gente se ama a sí mesmo, ama melhor os outros e o mundo, cheguei a conclusão de que nada pode ser rotulado nem racionalizado, nem estereotipado, porque sempre há possibilidade de se viver uma emoção de uma forma diferente.
Não necessariamente é se amando muito que se ama melhor. O processo pode ser inverso. Uma pessoa que está carente, automaticamente está com sua estima abalada. Ela está em estado de desconfiança e de cobrança.
Se nesse momento surge alguém e a pessoa passa a receber amor, um amor genuíno (e esse se sente) a situação se inverte. Uma pessoa adubada pelo amor , há dentro dela uma iluminação das suas potencialidades obscurecidas pela situação de carência. É como se acendesse um quarto escuro ou limpasse um porão. O fluxo do amor que se recebe (e nenhum amor é dado gratuitamente) irriga todo o processo emocional. Uma pessoa bem amada instintivamente se autovaloriza.
A bondade adormecida, os sentimentos de paciência, ternura, doação, criam vida nova.
O amor funciona como o mais poderoso dos estímulos. Uma vida emocional fertilizada pelo amor equilibra a carência neurótica e com isso permite que nas outras áreas do comportamento humano, inclusive na vida profissional, a produção seja melhor. É muito difícil, na prática, o "ame- se a sí mesmo". Basicamente esse sentimento existe.Mas também existem o medo, a insegurança, a neurose, as defesas, as depressões. Um amor que inunda esse terreno, como o mar cobre a praia, funciona como adubo. O termômetro da vida sobe, é um sistema de forças. Ao processo destrutivo da negação de sí mesmo ou desamor, se opõe outro, o do amor que chega, uma força descomunal que ativa as potencialidades adormecidas, estimula a estrutura carente, e a pessoa desabrocha, como uma flor.
E o processo é tão curioso que uma pessoa que passa a ser bem amada (afirmo: Bem Amada) nela acontece um processo de refluxo. Ela passa a amar primeiro a sí mesma, e depois ao outro. O amor que chega funciona como um espelho. A pessoa se mira nele e passa a se ver. Ninguém é amado de graça. Rosto que se vê no espelho do amor que se recebe, é iluminado. E começam a brotar sentimentos de alegria, gratificação, uma necessidade de troca, de doação. A pessoa se sente tão gratificada que descobre, não só que pode ser amada, merece o amor, como também tem amor para dar. E estabelece- se
uma relação de vasos comunicantes. Não estou aqui colocando as coisas no nível elementar de que basta receber qualquer tipo de amor para passar a se amar. isso só acontece quando há maturidade para se compreender a importância de ser amado. Receber amor é uma das atuantes formas de terapia interior. Ela toca, remexe, aduba, usina, recicla, germina e a pessoa que está sendo amada, de início tonta, indefesa e despreparada, depois se acostuma, como alguém que estivesse num quarto escuro há muito tempo e de repente visse o sol.
Já é chavão em Psicologia que para um desenvolvimento mais estruturado personalidade, as crianças precisam de, na infância, receber afeto. E elas não têm ainda a noção do "ame- se a sí mesmo". Na medida em que são amadas crescem melhor. Se desenvolvem melhor. O processo no adulto é o mesmo. Nos adultos, permanece sempre um imenso lado infantil que os psiquiatras dizem que amadurece por sí mesmo. Isso é frase feita. A maioria dos adultos são crianças grandes. E carentes. Que precisam ser amadas para amarem melhor o mundo e a sí mesmas.
Os bem amados que se regozijem. São rosas de Hiroshima.