
Em Copacabana faz uma tarde cinza. As tardes nubladas sempre me são preferíveis. São sorrisos. Os agressivos dias de sol são gargalhadas. E o clima da minha alma é mais o riso sugerido que o da alegria escrachada e agressiva. Penso em amor e como, à medida em que se vive, num processo dialético, o amor é tão rico que sempre se tem algo a sacar em cima dele.
Pensando no velho chavão, muitas vezes usado por mim mesmo, quando afirmava que, na medida em que a gente se ama a sí mesmo, ama melhor os outros e o mundo, cheguei a conclusão de que nada pode ser rotulado nem racionalizado, nem estereotipado, porque sempre há possibilidade de se viver uma emoção de uma forma diferente.
Não necessariamente é se amando muito que se ama melhor. O processo pode ser inverso. Uma pessoa que está carente, automaticamente está com sua estima abalada. Ela está em estado de desconfiança e de cobrança.
Se nesse momento surge alguém e a pessoa passa a receber amor, um amor genuíno (e esse se sente) a situação se inverte. Uma pessoa adubada pelo amor , há dentro dela uma iluminação das suas potencialidades obscurecidas pela situação de carência. É como se acendesse um quarto escuro ou limpasse um porão. O fluxo do amor que se recebe (e nenhum amor é dado gratuitamente) irriga todo o processo emocional. Uma pessoa bem amada instintivamente se autovaloriza.
A bondade adormecida, os sentimentos de paciência, ternura, doação, criam vida nova.
O amor funciona como o mais poderoso dos estímulos. Uma vida emocional fertilizada pelo amor equilibra a carência neurótica e com isso permite que nas outras áreas do comportamento humano, inclusive na vida profissional, a produção seja melhor. É muito difícil, na prática, o "ame- se a sí mesmo". Basicamente esse sentimento existe.Mas também existem o medo, a insegurança, a neurose, as defesas, as depressões. Um amor que inunda esse terreno, como o mar cobre a praia, funciona como adubo. O termômetro da vida sobe, é um sistema de forças. Ao processo destrutivo da negação de sí mesmo ou desamor, se opõe outro, o do amor que chega, uma força descomunal que ativa as potencialidades adormecidas, estimula a estrutura carente, e a pessoa desabrocha, como uma flor.
E o processo é tão curioso que uma pessoa que passa a ser bem amada (afirmo: Bem Amada) nela acontece um processo de refluxo. Ela passa a amar primeiro a sí mesma, e depois ao outro. O amor que chega funciona como um espelho. A pessoa se mira nele e passa a se ver. Ninguém é amado de graça. Rosto que se vê no espelho do amor que se recebe, é iluminado. E começam a brotar sentimentos de alegria, gratificação, uma necessidade de troca, de doação. A pessoa se sente tão gratificada que descobre, não só que pode ser amada, merece o amor, como também tem amor para dar. E estabelece- se
uma relação de vasos comunicantes. Não estou aqui colocando as coisas no nível elementar de que basta receber qualquer tipo de amor para passar a se amar. isso só acontece quando há maturidade para se compreender a importância de ser amado. Receber amor é uma das atuantes formas de terapia interior. Ela toca, remexe, aduba, usina, recicla, germina e a pessoa que está sendo amada, de início tonta, indefesa e despreparada, depois se acostuma, como alguém que estivesse num quarto escuro há muito tempo e de repente visse o sol.
Já é chavão em Psicologia que para um desenvolvimento mais estruturado personalidade, as crianças precisam de, na infância, receber afeto. E elas não têm ainda a noção do "ame- se a sí mesmo". Na medida em que são amadas crescem melhor. Se desenvolvem melhor. O processo no adulto é o mesmo. Nos adultos, permanece sempre um imenso lado infantil que os psiquiatras dizem que amadurece por sí mesmo. Isso é frase feita. A maioria dos adultos são crianças grandes. E carentes. Que precisam ser amadas para amarem melhor o mundo e a sí mesmas.
Os bem amados que se regozijem. São rosas de Hiroshima.